Direito de Família na Mídia
Recurso de pai condenado por ter abandonado filho será apreciado pela Quarta Turma
13/03/2005 Fonte: STJ em 10/03/05Condenação inédita no país que obriga pai a indenizar o filho por tê-lo abandonado deverá ser julgada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Fernando Gonçalves deve apreciar pedido do pai para reconsiderar decisão sua mantendo a condenação imposta pela Justiça de Minas Gerais.
O pedido de indenização por danos morais foi deferido pela Justiça mineira a um estudante de 23 anos. O motivo: ter sido abandonado pelo pai quando tinha seis anos. O valor fixado pelo juiz foi o equivalente a 200 salários mínimos (hoje, R$ 52 mil), atualizados monetariamente.
O pai sempre pagou pensão alimentícia, mas o jovem alegou que só queria do pai o amor e o reconhecimento como filho. A ação se baseou na Constituição, nos princípios da dignidade humana e afetiva. "Não só a lei, como os costumes e a doutrina de especialista também respaldaram meu trabalho. Nos últimos 50 anos, houve uma mudança nos paradigmas da Justiça e, hoje, o afeto é um valor jurídico quando se discutem relações familiares", explicou o advogado do jovem.
O direito à indenização foi reconhecido em segunda instância. Em primeiro grau, o juiz entendeu não haver a comprovação do dano. O Tribunal de Alçada, contudo, reconheceu que o abandono trouxe um dano moral, psíquico, que poderia ser reparado, de forma simbólica, com o pagamento de indenização. A decisão do TAC foi de que "a dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana".
É contra essa decisão que o pai do estudante recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como o recurso não foi admitido pelo TAC, a defesa tenta agora, através de um agravo de instrumento, fazer com que a questão seja apreciada pela instância superior. Alega que a decisão de segundo grau ofende o artigo 186 do antigo Código Civil e diverge do entendimento de outros tribunais sobre a matéria.
A primeira tentativa falhou. O ministro Fernando Gonçalves, ao apreciar o recurso individualmente, manteve a decisão do tribunal estadual. Para o relator, a irresignação não merece acolhida, pois a decisão do tribunal estadual se baseou em fundamentos constitucional e infraconstitucional, capazes, cada um por si só, de mantê-la. Soma-se a isso a constatação de não existir notícia nos autos da interposição de recurso extraordinário, sendo dessa forma inadmissível o recurso especial, conforme determina a súmula 126 do STJ.
Destaca, para tanto, parte do voto do desembargador relator, segundo o qual "o princípio da efetividade especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. No estágio atual, o equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar".
A conclusão do magistrado mineiro foi a de que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana. "No caso, vê-se claramente, da cuidadosa análise dos autos, que o apelante foi, de fato, privado do convívio familiar com seu pai, ora apelado", finalizou o desembargador, reconhecendo que o afastamento entre pai e filho transformou-se em uma questão psíquica de difícil elaboração para o jovem, interferindo nos fatores psicológicos que compõem sua identidade.
Diante da decisão individual do ministro Fernando Gonçalves, que manteve a condenação imposta pelo Tribunal de Alçada Civil de Minas Gerais devido à impossibilidade de admitir o processamento do recurso especial, o pai apresentou agravo regimental. O objetivo é que a questão seja agora apreciada por todos os ministros da Quarta Turma.